Editora de Curitiba cancela prêmio literário após inscrições de obras feitas por Inteligência Artificial
Segundo editora, de 900 obras inscritas no concurso, aproximadamente 40 apresentaram sinais óbvios do uso de Inteligência Artificial, como comentários feitos pela própria ferramenta. Outros textos apresentaram indícios. IA é encarada como desafio no mercado editorial. Editora de Curitiba cancela prêmio literário após inscrições de obras feitas por Inteligência Artificial
Reprodução/Redes Sociais
A Editora Kotter, de Curitiba, anunciou o cancelamento do “Prêmio Kotter 2025” após o recebimento de inscrições de obras geradas por Inteligência Artificial (IA).
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O anúncio foi feito na sexta-feira (4), por meio das redes sociais da editora, e gerou polêmica nos comentários, especialmente de participantes do concurso.
“Pelo nosso compromisso com a idoneidade literária, diante da identificação de inúmeras obras recebidas terem sido geradas por IA e na impossibilidade de identificar com a certeza necessária esse uso, vimo-nos forçados a cancelar o concurso deste ano. Estamos estudando como realizar o concurso, ano que vem, em tempos de IA. Contamos com a compreensão de todos e somos gratos pelas centenas de obras recebidas”, diz o anúncio.
O Prêmio Kotter foi realizado pela primeira vez em 2024 e tem como objetivo reconhecer livros autorais inéditos que se destaquem nas áreas de literatura, filosofia e política.
Conforme Salvio Kotter, criador da editora, foram cerca de 900 obras inscritas no concurso deste ano.
Dessas, aproximadamente 40 apresentaram sinais óbvios do uso de Inteligência Artificial, como comentários feitos pela própria ferramenta. Cerca de 60 outros textos apresentam indícios do uso da IA.
Segundo Kotter, a avaliação representa um desafio. Em alguns casos, por exemplo, o material pode estar bem formatado, apenas por ter sido revisado pela IA.
Porém, outras evidências indicam o uso da ferramenta.
“São muitos os indícios, que, quando se somam, aumentam a certeza. O mais óbvio é o texto impecável do ponto de vista formal, ortografia, gramática e sintaxe em texto de baixo valor literário. Se bem que o autor pode ter revisado à exaustão. Mas aí entram outras questões, cada vez mais abstratas, como o uso de palavras incomuns no português, mas bastante comuns no inglês – a IA escreve em português, mas ‘pensa’ em inglês”.
“Outro ponto é a regularidade das passagens, o texto não cresce nem cai, se mantém em um brilho plástico… E assim seguem-se outros indícios, cada vez mais abstratos. Quando um texto apresenta vários deles, fica muito difícil acreditar que tenha sido produto humano”, detalha.
De acordo com Kotter, a editora avalia a forma de resolver o impasse. A intenção inicial é evoluir nos critérios de avaliação e deixar a questão clara em um novo edital.
“O analista fica entre a cruz e a espada. Fica com medo de desclassificar obras que poderiam ser bem avaliadas, e teme premiar um texto feito por IA, como já aconteceu no Japão”, afirma, relembrando o caso em que uma autora japonesa admitiu ter usado o ChatGPT para escrever um dos livros que acabou vencendo o Prêmio Akutagawa – um dos mais prestigiados prêmios de literatura do país.
Inteligência Artificial representa desafio no mercado editorial
ChatGPT
AP Photo/Matt Rourke
Conforme Kotter, com o aumento do uso da Inteligência Artificial, a editora tem recebido um número maior de textos gerados eletronicamente, o que é enxergado como um novo desafio.
Recentemente, o selo publicou, de forma consciente, um livro de poemas em que parte deles foi gerado por IA. O material alerta o leitor e o desafia a diferenciar os poemas escritos pela IA dos escritos pelo escritor.
“Não dá para negar que a gente sente uma espécie de pesar. Claro está que as grandes obras mesmo jamais poderão ser geradas por IA, porque a IA segue padrões, e as grandes obras desafiam padrões, inovam”, defende.
Kotter compara o uso da Inteligência Artificial na literatura com a proliferação das câmeras fotográficas no passado e o medo da substituição dos profissionais que trabalhavam como retratistas.
“Com o tempo a fotografia foi reconhecida como arte e ambas são hoje importantes. É provável que algo semelhante ocorra com os textos gerados por IAs. Ou não”, conclui.
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