Estamos preparados para tantas quebras de paradigmas?
A população bateu a casa dos 8,2 milhões recentemente. Nunca na história de bilhões de anos de nosso pequeno planeta azul, chamado Terra, tantas pessoas viveram ao mesmo tempo por aqui. O avanço da ciência foi tão intenso que a expectativa de vida média cresceu exponencialmente e permitiu uma evolução econômica nunca antes vista. Os transportes também evoluíram tanto, que apenas 55 anos separam o primeiro voo comercial do pouso do homem na Lua. Da mesma maneira, o mundo analógico se tornou digital e em poucas décadas surgiu a internet que literalmente acabou com as barreiras físicas da transferência de informação entre as nações.
Hoje adentramos cada vez mais profundamente os mares da Inteligência artificial e provavelmente veremos o desenvolvimento de computadores quânticos que mudarão mais uma vez a nossa concepção da realidade e da aquisição do conhecimento. Todas essas mudanças listadas aconteceram no último século, nas últimas décadas e no caso da informática, nas últimas horas.
No mundo da geopolítica, os avanços são mais demorados e as quebras de paradigmas mais espaçadas no tempo. Bom, pelo menos era a tendência até os últimos anos. Para todos aqueles vivos em nosso planeta agora, o padrão sempre foi a hegemonia norte-americana, permeada por décadas de rivalidade com adversários diferentes.
Durante a primeira e segunda guerras mundiais, o Império Alemão era a potência econômica e militar a desafiar Washington DC, assim como o Império do Japão brevemente nos anos 1940. De 1945 até 1991, a Guerra Fria foi marcada pelo antagonismo norte-americano com a União Soviética, talvez a mais implacável das disputas no campo militar e científico, mesmo sem um enfrentamento bélico direto. De 1991 em diante, os Estados Unidos reinaram de forma absoluta com seu protagonismo econômico, a hegemonia militar e o mais influente soft power.
Contudo, desde o final dos anos 1970, a história analisada pelos especialistas da atualidade, começou a ser escrita. A era de abertura econômica chinesa liderada por Deng Xiaoping, conseguiu assegurar o poder político na mão do Partido Comunista Chinês, evitando o mesmo desfecho soviético, e conseguiu em questão de poucas décadas transformar a China na maior potência industrial do mundo. A liderança chinesa não se deu apenas pela sua população de mais de 1,4 bilhão de pessoas, ou pelo volume do que produz, mas pela comodidade que ofereceu a todo o mundo, criando uma dependência inédita de múltiplos países com Pequim.
A importância chinesa nas cadeias de produção é tão crucial, que jamais teríamos acesso de forma tão rápida e com preços relativamente acessíveis, às mais modernas tecnologias, se não fosse a capacidade manufatureira chinesa. O mesmo é válido para peças essenciais do setor automotivo, para a indústria têxtil, para a indústria química e para o setor de serviços e comércio no mundo todo.
As alianças seladas pelos chineses com os russos, após o fim da cisão sino-soviética, a cooperação econômica criada dentro da Ásia e as iniciativas de infraestrutura e comércio que surgiram na África e América Latina, aproximaram dezenas de países importantes, regionalmente poderosos e estrategicamente localizados, ao governo de Pequim. A dependência que era apenas manufatureira, agora torna-se também estratégica em algumas partes do mundo e vai além de questões ideológicas. Se na Guerra Fria só tinha parceria com a União Soviética, estados comunistas, socialistas ou simpatizantes, hoje, monarquias teocráticas, regimes comunistas e até mesmo grandes democracias possuem vínculos próximos com os chineses.
Militarmente, o incremento tecnológico nas forças armadas chinesas também é digno de observação. O aumento significativo no seu número de ogivas nucleares também representa um maior investimento na parte mais importante do arsenal de qualquer superpotência, e coloca em alerta locais sensíveis para as reivindicações territoriais de Pequim, como Taiwan e partes da região montanhosa da Caxemira. A realização frequente de exercícios militares coordenados nas proximidades de bases militares norte-americanas envia um recado poderoso sobre estar também presente onde antes não era percebidos.
Apesar de tudo isso que foi listado, a posição em que se encontram os Estados Unidos ainda é o topo das listas. A economia norte-americana ainda é mais de 10 trilhões de dólares mais rica que a chinesa anualmente, para uma população 4 vezes menor. O exército, marinha, aeronáutica e forças especiais de Washington DC ainda fazem parte das forças armadas com maior investimento anual em todo o mundo, sem esquecer de mencionar que o arsenal nuclear americano ainda é aproximadamente 10 vezes maior que o de Pequim.
Diplomaticamente, os Estados Unidos, ainda possuem enorme relevância e a sua produção cultural é a amais exportada e consumida por outras nações no planeta. Ou seja, a posição de liderança ainda está segura por mais alguns anos. Assim como nossos avós aprenderam a assistir televisão com cores e nossos pais começaram a trabalhar em computadores, nossa geração estará viva para testemunhar grandes mudanças não apenas nas telecomunicações e na exploração espacial, mas será a primeira em quase um século a assistir a mudança de mãos do poder global, ou pelo menos o seu compartilhamento de maneira mais simétrica.
Uma vez que aconteça, algumas décadas no futuro, as quebras de paradigmas serão enormes e com repercussões políticas ainda difíceis de se prever. Aprendemos como espécie por mais de 100 anos a lidar com este modus operandi, sendo a América que dita todas as regras do mundo direta ou indiretamente, e aqueles que vivem à sua periferia, colhem as consequências positivas e negativas de suas escolhas.
Tudo indica que mais breve do que pensávamos teremos que aprender a viver em um mundo diferente, com outras diretrizes, com dois senhores, ou com um senhor que ainda nos é pouco familiar. Será um período preocupante ao nos deparamos com a mudança, mas intrigante em relação às suas transformações. Dizer hoje que sabemos exatamente o que acontecerá é um jogo de futurologia e não de análise geopolítica, por isso prefiro fazer perguntas a oferecer as respostas. Estamos preparados para tantas quebras de paradigmas?