Papa Francisco reflete sobre velhice e morte em texto inédito escrito antes da internação
O Vaticano anunciou na última terça-feira (22) a publicação de um texto inédito do Papa Francisco, escrito em fevereiro, que serve como prefácio para o livro “Na espera de um novo começo. Reflexões sobre a velhice”, do cardeal Angelo Sola. O lançamento da obra está agendado para o dia 24 de abril, coincidindo com a proximidade do funeral do Papa, que faleceu aos 88 anos.
No prefácio, o Papa aborda a temática da velhice, afirmando que a morte não representa o fim, mas sim o início de uma nova jornada. Ele ressalta a importância de ver a velhice como uma fase enriquecedora da vida, onde a experiência e a sabedoria adquiridas ao longo dos anos são valiosas, e não devem ser vistas como um fardo.
“Sim, não devemos ter medo da velhice, não devemos temer abraçar o envelhecer, porque a vida é a vida, e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas (…) Porque dizer ‘velho’ não significa ‘descartável’, como às vezes uma cultura degradada do descarte nos faz pensar. Dizer velho, ao contrário, é dizer experiência, sabedoria, discernimento, ponderação, escuta, lentidão… Valores dos quais precisamos urgentemente!”, escreveu o Pontífice em um trecho do prefácio.
Francisco também destaca o papel fundamental dos avós na sociedade, que, segundo ele, transmitem memória e valores essenciais para as novas gerações. Essa transmissão de conhecimento é vista como uma forma de iluminar o caminho dos jovens, contribuindo para a formação de uma sociedade mais consciente e solidária.
“Já ressaltei várias vezes como o papel dos avós é fundamental para o desenvolvimento equilibrado dos jovens e, em última análise, para uma sociedade mais pacífica. Porque seu exemplo, suas palavras, sua sabedoria podem inspirar nos mais jovens um olhar mais amplo, a memória do passado e o apego a valores duradouros. Em meio à correria das nossas sociedades, muitas vezes voltadas para o efêmero e para o gosto doentio pela aparência, a sabedoria dos avós torna-se um farol que brilha, ilumina a incerteza e dá direção aos netos, que podem tirar da experiência deles um ‘algo a mais’ para sua vida cotidiana”, refletiu o Papa Francisco.
O Papa finaliza sua reflexão afirmando que a morte deve ser encarada como um novo começo, referindo-se à vida eterna como uma experiência que ainda não vivemos plenamente. Essa perspectiva traz um olhar esperançoso sobre a transição entre a vida terrena e a eternidade.
Em seu testamento, o Papa Francisco manifestou o desejo de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, sem qualquer tipo de ornamento especial. Ele optou por não ser enterrado na Basílica de São Pedro, preferindo um local que sempre teve um significado especial para ele, e determinou que os custos de seu sepultamento seriam arcados por um benfeitor.
Leia o texto completo:
“Li com emoção estas páginas nascidas do pensamento e do afeto de Angelo Scola, querido irmão no episcopado e pessoa que desempenhou serviços delicados na Igreja, como ter sido reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, depois patriarca de Veneza e arcebispo de Milão. Antes de tudo, quero expressar a ele toda a minha gratidão por esta reflexão que une experiência pessoal e sensibilidade cultural como poucas vezes tive a oportunidade de ler. Uma, a experiência, ilumina a outra, a cultura; a segunda dá substância à primeira. Nesse entrelaçamento feliz, a vida e a cultura florescem em beleza.
Não se deixe enganar pela forma breve deste livro: são páginas muito densas, para serem lidas e relidas. Das reflexões de Angelo Scola, colho algumas passagens que ressoam particularmente com aquilo que a minha própria experiência me levou a compreender.
Angelo Scola nos fala da velhice, da sua velhice, que – ele escreve com um toque de desconcertante sinceridade – ‘caiu sobre mim com uma aceleração repentina e, em muitos aspectos, inesperada’.
Já na escolha da palavra com que se autoidentifica, ‘velho’, encontro uma afinidade com o autor. Sim, não devemos ter medo da velhice, não devemos temer abraçar o envelhecer, porque a vida é a vida, e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas. Restituir orgulho a um termo muitas vezes visto como pejorativo é um gesto pelo qual devemos ser gratos ao cardeal Scola. Porque dizer ‘velho’ não significa ‘descartável’, como às vezes uma cultura degradada do descarte nos faz pensar. Dizer velho, ao contrário, é dizer experiência, sabedoria, discernimento, ponderação, escuta, lentidão… Valores dos quais precisamos urgentemente!
É verdade, envelhecemos, mas esse não é o problema: o problema é como envelhecemos. Se vivemos essa etapa da vida como uma graça, e não com ressentimento; se acolhemos esse tempo (ainda que longo) em que experimentamos forças reduzidas, o cansaço físico crescente, os reflexos já não iguais aos da juventude, com um senso de gratidão e reconhecimento, então, a velhice também se torna uma etapa da vida, como nos ensinou Romano Guardini, realmente fecunda e capaz de irradiar o bem.
Angelo Scola destaca o valor humano e social dos avós. Já ressaltei várias vezes como o papel dos avós é fundamental para o desenvolvimento equilibrado dos jovens e, em última análise, para uma sociedade mais pacífica. Porque seu exemplo, suas palavras, sua sabedoria podem inspirar nos mais jovens um olhar mais amplo, a memória do passado e o apego a valores duradouros. Em meio à correria das nossas sociedades, muitas vezes voltadas para o efêmero e para o gosto doentio pela aparência, a sabedoria dos avós torna-se um farol que brilha, ilumina a incerteza e dá direção aos netos, que podem tirar da experiência deles um ‘algo a mais’ para sua vida cotidiana.
As palavras que Angelo Scola dedica ao tema do sofrimento, que muitas vezes se instala com o envelhecer, e consequentemente à morte, são joias preciosas de fé e esperança. Na argumentação deste irmão bispo, ouço ressoar a teologia de Hans Urs von Balthasar e de Joseph Ratzinger, uma teologia ‘feita de joelhos’, imersa em oração e diálogo com o Senhor. Por isso, disse há pouco que estas são páginas nascidas do ‘pensamento e do afeto’ do cardeal Scola: não apenas do pensamento, mas também da dimensão afetiva, aquela à qual a fé cristã remete, pois o cristianismo não é tanto uma ação intelectual ou uma escolha moral, mas, sim, o afeto por uma pessoa, aquele Cristo que veio ao nosso encontro e decidiu nos chamar de amigos.
É justamente a conclusão destas páginas de Angelo Scola, que são uma confissão de coração aberto de como ele está se preparando para o encontro final com Jesus, que nos devolve uma certeza consoladora: a morte não é o fim de tudo, mas o começo de algo. É um novo começo, como sabiamente destaca o título, porque a vida eterna – que quem ama já experimenta aqui na terra em meio às ocupações do dia a dia – é o começo de algo que não terá fim. E é exatamente por isso que é um começo ‘novo’: porque viveremos algo que nunca vivemos plenamente – a eternidade.
Com estas páginas nas mãos, gostaria idealmente de repetir o mesmo gesto que fiz assim que vesti o hábito branco de Papa, na Capela Sistina: abraçar com grande estima e afeto o irmão Angelo, agora ambos mais velhos do que naquele dia de março de 2013. Mas sempre unidos pela gratidão a esse Deus amoroso que nos oferece vida e esperança em qualquer idade da nossa existência.
Cidade do Vaticano, 7 de fevereiro de 2025″.
*Reportagem produzida com auxílio de IA
Publicado por Victor Oliveira